OS CONTRATOS DIGITAIS AUTO EXECUTÁVEIS E O DIREITO

OS CONTRATOS DIGITAIS AUTO EXECUTÁVEIS E O DIREITO

Muito provavelmente a maioria das pessoas já ouviu os termos blockchain e seu maior expoente, o Bitcoin, temas de fundo noticiados diariamente pela mídia em geral, seja pelo lado positivo, aliado à segurança e confiabilidade em trocas monetárias, seja pelo lado negativo, relacionados às corrupções, ocultação de patrimônio e a atual crise do silício.

Certamente que toda tecnologia, em si, não é boa ou ruim, mas tudo depende do uso que se faz dela. Todavia, este não é tema do presente texto.

Queremos ressaltar uma utilização ainda pouco difundida do público em geral diz respeito à utilização do blockchain, base do Bitcoin, para autenticação em geral, e, mais especificamente, para a criação de contratos digitais, ou inteligentes, auto executáveis.  

Pois bem, quando o Bitcoin foi criado, sua maior inovação, e hoje tida como tecnologia com potencial disruptivo (aquela capaz de permitir revoluções em nosso modo de vida), foi o blockchain, que podemos definir, com base em definição da Serpro (empresa de tecnologia do Governo Federal), como uma “tecnologia de validação inviolável que tem a descentralização como medida de segurança. Cria consenso e confiança na comunicação direta entre duas partes, sem o intermédio de terceiros“, em outras palavras, o blockchain seria um grande livro caixa, no qual todas as partes possuem uma cópia, e que, para ter alterado qualquer de seus registros, necessita de uma chave única, inviolável, criada de forma aleatória, sendo que toda transação é validada de forma on-line por diversas partes globalmente.

A tecnologia do blockchain já é utilizada em nosso país para autenticações e validações de documentos, na plataforma do e-notariado, bem como vai ser utilizado pela Serpro para validação de transações com o tesouro direto, o que demonstra a confiabilidade da tecnologia para fins de validação e segurança.

Uma outra utilização do blockchain, ainda pouco conhecida, diz respeito à criação de contratos digitais auto executáveis.

Uma vez criado o contrato digital e “assinado” por ambas as partes, seu cumprimento, mais do que obrigatório, seria automático, independendo de advogados, juízes e processos judiciais.

Assim, por exemplo, se uma parte “a” se obriga a transferir a outra parte uma certa quantia de forma recorrente por um dado período, esta transferência irá se realizar, impossibilitando estornos, desistência ou qualquer outra alegação da parte “a”.

O contrato digital, assim, seria como um programa de computador, que realiza aquela ação para o qual foi programado, de forma automática, e que, uma vez registrada no blockchain, não pode ser apagada.

Muito embora um programa de computador não precise de qualquer validação judicial para ser executado, a questão que se coloca é: Poderia um contrato digital receber questionamentos na justiça, especialmente quanto à sua validade ou legalidade?

A resposta é sim, nossa Constituição, em seu inciso XXXV do artigo 5º e o Código de Processo Civil (art. 3º) dizem que “não se excluirá da apreciação judicial ameaça ou lesão a direito”. Assim, se uma pessoa entender que o contrato digital ameaça direito seu, pode ingressar com ação questionando sua validade, inclusive com pedido de tutela antecipada para obrigar que a parte contrária realize nova alteração no blockchain para suspender a eficácia do contrato digital.

Todavia, temos que entender que um questionamento destes deverá conter as adaptações às especificidades do meio em que foi criado, o que inclui até mesmo a tradução da linguagem de programação utilizada (C, Python, JavaScript) para o português, além da correlação entre a identidade física e a identidade digital da parte contrária, além de outras adaptações.

De toda forma, bem utilizado, para fins lícitos, o contrato digital pode se apresentar como alternativa menos custosa e mais prática para uma série de situações nas quais uma contratação formal se mostra mais onerosa, considerando os eventuais custos de execução do contrato, de modo que pode e deve ser considerada, desde que acompanhada por análise criteriosa da assessoria jurídica, considerando sua auto-executoriedade inata.