A POSSIBILIDADE DE IMPORTAÇÃO DE VACINAS CONTRA A COVID-19 PELA INICIATIVA PRIVADA

A POSSIBILIDADE DE IMPORTAÇÃO DE VACINAS CONTRA A COVID-19 PELA INICIATIVA PRIVADA

O Sistema Público de Saúde e a oferta de serviços públicos em geral, em nosso país, sempre se baseou no princípio da reserva do possível, entendido este princípio como o oferecimento de bens e serviços com a qualidade possível ao usuário dentro de uma realidade de receitas cada vez menores e despesas em franca ascensão.

Em razão disso, a iniciativa privada nunca foi obstada de complementar os serviços oferecidos gratuitamente pelo Estado, criando opções de serviços com mais qualidade mediante o pagamento de tarifas pelos pretendentes.

Assim, nunca se questionou em nosso país, por exemplo, da possibilidade da existência de escolas privadas, inclusive algumas contam com mais de 150 anos de existência, bem como faculdades privadas, hospitais privados, clínicas privadas, segurança privada, Justiça privada, sendo inegável, contudo, que todos estes serviços, segundo a Constituição Federal, são públicos. Vemos, assim, que os serviços oferecidos pelo Estado e os serviços privados sempre conviveram ao lado um do outro.

Não obstante nossa tradição em manter serviços prestados pelo Estado ao lado de serviços privados, com a crise da Covid-19 e as recentes descobertas de vacinas para esta doença desenvolvidas por laboratórios de todo o mundo, uma discussão se avolumou em nosso país e diz respeito a se pessoas jurídicas de direito privado, como empresas, sindicatos ou associações, podem realizar a importação destas vacinas para aplicação em seus funcionários, associados, etc.

Para quem defende a negativa da possibilidade de importação, a vacina seria um bem limitado, um recurso finito e, como tal, deveria ser oferecida segundo rígido controle de fila, elaborada segundo critério daqueles que seriam mais suscetíveis à doença. Além disso, eles alegam que tal possibilidade implicaria em uma concorrência entre o setor privado e o setor público e este, com menos recursos, fatalmente sairia perdendo.

Aqueles que defendem que tal importação é possível se baseiam no fato de que a vacina, muito embora seja finita, é igual a qualquer outro bem, que também é finito e suscetível de apropriação econômica. Além disso, eles alegam que não há proibição legal de eles realizarem tal importação, bem como que o Brasil enfrenta concorrência do mundo e não apenas das empresas para tal aquisição, sendo certo, aliás, que o país recentemente recusou a compra de diversas vacinas oferecidas por empresas fabricantes sérias apenas com base em sua nacionalidade. Ora, se se pode recusar um produto apenas em razão da procedência do país, certamente não se está diante de uma compra urgente, pelo menos na visão dos governantes.

Dado este quadro, os defensores da importação alegam que eles possuem muito mais agilidade, rapidez e profissionalismo para a obtenção destas vacinas, e que, sua importação e aplicação nos interessados contribuiria a longo prazo para a própria diminuição da fila, já que aqueles que tomaram o imunizante da iniciativa privada não precisariam tomar o oferecido pelo Estado.

Por fim, a questão que se coloca e que foi abordada no início do texto, o princípio da reserva do possível. Quem se interessa em tomar a vacina, hoje, fica sujeito a uma fila que não contempla sequer os menores de 60 anos. Estes, certamente poderão vir a tomar a vacina um dia, mas não há cronograma nem expectativa de que isto se realize em um futuro próximo.

Para estes, a única alternativa, pois não se admite que ficar em casa isolado por anos seja uma solução factível, seria mesmo uma vacina da iniciativa privada. Será que não valeria a pena, por exemplo, para um trabalhador financiar no cartão uma vacina em 12 vezes e poder ir trabalhar na rua, do que ficar dependendo de um auxílio governamental? É justo negar-lhe a possibilidade de que ele possa realizar esta escolha?

Embasados nestes argumentos, duas ações de órgãos de classe conseguiram realizar a importação de vacinas para aplicação em seus beneficiários, o Sindicato dos Motoristas Autônomos de Transporte por Aplicativo e a Associação de Juízes Estaduais, ambos na Justiça de primeira instância de Brasília, sede da ANS, que ora se mostra como a instância adequada para tais pretensões.

Enquanto não se têm uma decisão definitiva por parte dos órgãos jurisdicionais superiores, espera-se que o tema seja cada vez mais judicializado, conforme já declararam dirigentes de federações de indústrias e sindicatos correlatos.