ILEGALIDADE DA LIMITAÇÃO DA ISENÇÃO DE ICMS NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA (PCD)

ILEGALIDADE DA LIMITAÇÃO DA ISENÇÃO DE ICMS NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA (PCD)

O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) – órgão responsável por autorizar a concessão ou revogação de isenções e benefícios fiscais com relação ao ICMS –, por meio do Convênio ICMS nº 55, de 31.07.2020, modificou o Convênio ICMS nº 38/2012, o qual estabelece regras para que os Estados concedam isenção de ICMS na compra de veículos destinados a pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental ou autista.

A publicação do novo Convênio ICMS decorre da pressão dos Estados sobre o CONFAZ com o intuito de limitar os pedidos de isenções de ICMS para a compra de veículo zero quilometro por pessoas portadoras de deficiência física, os quais tiveram um grande salto nos últimos cinco anos e fizeram com que os Estados tivessem uma queda na arrecadação.

As novas regras passarão a valer a partir de 01/01/2021, sendo que a principal modificação diz respeito ao conceito de pessoa portadora de deficiência física para fins de isenção, o qual anteriormente era considerado como “aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física e a incapacidade total ou parcial para dirigir”, e depois da alteração, deficiência física passou a ser descrita como “aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, alcançando, tão somente, as deficiências de grau moderado ou grave, assim entendidas aquelas que causem comprometimento parcial ou total das funções dos segmentos corpóreos que envolvam a segurança da direção veicular”.

Como se vê, o Convênio ICMS nº 55/2020 limitou o conceito de deficiência física para concessão da isenção de ICMS como forma de impedir que um universo maior de contribuintes que tenham deficiência física, mas que não se enquadrem como moderada ou grave, venhama usufruir do benefício fiscal, citando, como exemplo, as pessoas portadoras de doenças reumáticas como espondilite anquilosante, lúpus, artrite reumatóide e artrose de grandes articulações, entre outros.

Mas a pergunta que fica é: pode o Fisco limitar o conceito de isenção?

A Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) dispõe em art. 2º, que “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Logo, não há na lei federal qualquer distinção do tipo de deficiência, não podendo uma norma infralegal (hierarquicamente inferior a lei) prever conceitos diferentes do que aqueles já estabelecidos expressa ou implicitamente pela Constituição Federal e Estadual para reduzir o benefício da isenção de ICMS, conforme veda o art. 110, do Código Tributário Nacional.

A Lei nº 8.989/1995, que trata da isenção do IPI na aquisição de automóveis para portadores de deficiência, ainda mantém o conceito “amplo” de deficiência física para fins do benefício fiscal não efetuando qualquer segregação com relação a deficiência leve, moderada ou grave, bastando que haja o comprometimento da função física do membro do corpo humano.

O objetivo do legislador constitucional e das legislações infraconstitucionais foi de resguardar os direitos da pessoa que se enquadre como deficiente, independentemente de a deficiência ser leve, moderada ou grave, e assim lhe promover condições que lhe assegurem igualdade de tratamento e acessibilidade.

Sob este escopo, a restrição da isenção de ICMS imposta pelo Convênio ICMS nº 55/2020 fere o princípio da isonomia tributária ao segregar por conta um própria grupo de pessoas com deficiência que podem utilizar o benefício fiscal, enquanto outro grupo, mesmo portador de deficiência, fica impedido de usufruir do benefício na compra de um automóvel.

O Convênio ICMS nº 55/2020 deverá ser integrado na legislação dos Estados, ocasião na qual se verificará como ocorrerão as limitações de isenção do ICMS para pessoas que não comprovem possuir deficiência física em grau moderado ou grave.

Por essas razões, a limitação da isenção de ICMS para os portadores de deficiência, prevista pelo Convênio ICMS nº 55/2020 configura espécie de discriminação, indo além do conceito de deficiência adotado pela Constituição Federal, Estadual e  Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem como segue contrário a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual o Brasil é signatário, sendo plenamente possível o questionamento judicial do Convênio ICMS nº 55/2020 e das legislações estaduais que forem publicadas com base no convênio.